05/09/2017

Rua

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Conto feito em 22/05/2017
Por Bhrendha
Como uma dedicação total a todos que conheceram a rua e morreram nela...
A badalada da meia noite trouxe àqueles enfermos de álcool desespero imediato.

Não deveria ser manhã, o sol escondia-se atrás de um imenso breu que tomava dele toda a vividez que tinha; o relógio batia sem parar, motivo pelo qual eu tinha elaborado duas hipóteses, talvez fosse as seis da matina, quando o maldito relógio daquela torre infernal tocava incessantemente, acordando aos bêbados, dando o toque de recolher aos drogados e as putas e iniciando mais um dia sem significado nessa tortuosa realidade. Contudo, podia ser também noite, a abertura da madrugada a todos que a desejassem se reconfortar, podiam ser aquelas dez badaladas inserindo a hora dos miseráveis. Eu não sabia realmente quais das duas eram, não sabia nem mesmo onde estava, nem mesmo o porquê eu caminhava com um uísque barato em minha mão e na outra um cigarro, quase que queimando meus dedos de tão pequeno, eu não sabia o porquê minha presença naquela rua parecia causar tanto alvoroço para os ratos e as demais formas repugnantes que ali habitavam. A bituca de cigarro finalmente tinha apagado devido à pouquíssima substância que ali se encontrava, nem havia percebido o quanto traguei nesses últimos minutos de reflexão, mas meus pulmões já davam indícios de intoxicação temporária.
Levantei-me daquela rua, já não tinha mais o que fazer ali, o que me traz a pergunta: “E antes tinha?”. Talvez, talvez naquela rua acontecimentos inusitados deveriam ter se concretizado, talvez algo ainda fosse acontecer ali e este espetáculo futuro fosse fechado para aqueles que tivessem estômago forte, talvez alguma puta fosse desfilar naquela rua com seu cafetão, que passaria a mão incessantemente nas pernas e bunda da pobre mulher, pobre de dignidade, pobre talvez de estudo, poderia ser ela pobre de tanta coisa ou talvez fosse alguma menina que tivera a infeliz curiosidade pela rua por achar que problemas em casa seriam tão ruins quanto viver dando para aqueles que ela nem conhecia. É muito comum ver esse tipo de garota por ai, pagando um boquete com uma bala de mente na boca para não sentir o gosto porco do miserável que a paga para isso, essas menininhas com um corpo jovem e tão sujo quanto qualquer outro que já passará o tempo na rua. Pensar nas eventualidades que deveriam passar naquela rua suja, num cruzamento qualquer, em uma cidade que ninguém dava valor, embrulhou-me o estômago, fez todo aquele álcool absorvido querer sair por meus orifícios, a azia com gosto de uísque barato fazia minha boca cerrar e contorcer para não deixar que meu dinheiro fosse desperdiçado em uma rua qualquer.
Abaixei a cabeça tentando cortar a ligação daquela azia com a minha boca, lógico ato de alguém sem estudo, deste sim um burro que achará por chutomêtro que seria capaz de intervir na vontade do corpo. Aquela situação de ignorância me pareceu engraçada, trouxe então um riso baixo, autoral, que podia ser confundido com um choro de uma criança abandonada. Talvez fosse um choro misturado com a minha risada cínica, talvez fosse uma criança abandonada por sua própria sorte nesta madrugada em especial, a qual em uma rua qualquer poderia se encontrar tudo, mas não se perceber nada. Agora que me deparo com esta verdade, não sei onde estou, poderia eu estar tão bêbado que fui parar em algum lugar distante daquele velho amontoado que chamo de casa? Meus trapos estavam tão limpos quanto nunca, na verdade nem eram mais trapos, me fiz então outra pergunta: “Por que estou de terno?”. Onde estavam meus trapos? Não que eles valessem mais que este terno, que nesta madrugada caiu-me bem, contrastou também com o frio que fazia sem esfriar.
Não sabia o que era, mas era. Está Rua, que agora merece ser chamada assim, com até mesmo respeito, era, mas não sabia o que era. Ela tinha putas, de todos os tipos e tamanhos, com todos os serviços, que se esfregavam uma nas outras e imploravam aos que chamavam de papai, por pica. Ela tinha drogados que injetavam todo tipo de droga modificada e denegriam suas veias por prazer momentâneo, o qual eu invejava. Tinha cafetões, tinha bêbados, tinha crianças, tinha vômitos, tinha tudo, mas ao mesmo tempo não tinha nada.  Onde estavam todos? Nesta madrugada em que a balada acontecia naquela Rua festeira e suja, onde encontrei-me tragando um maço de cigarros que eu nunca tinha posto na boca, bebendo um uísque barato, com trapos que transformavam aquele terno como no vestido da Cinderella; naquela rua encontrei-me pensando sobre a vida e querendo achar respostas para aquelas perguntas que jamais tive, naquela rua eu estava estranho, eu estava vivo.

Vejam, como em Cinderella as badaladas soaram, avisando as putas, aos drogados, aos bêbados, que tinham que se recolher, dando visão para uma rua limpa e bem cuidada, de uma cidade que eu conhecia e vivia, perto de uma casa em que minha família, que abrigava meu terno para mais um dia em um escritório longe da Rua. Joguei a garrafa de uísque em qualquer lugar e esperei a manhã raiar para ver a Rua, que já não tinha mais nada de rua.

2 comentários:

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